O que você vai ler a seguir é um
trabalho que eu fiz para a faculdade há uns dias atrás. Nesse trabalho, o
professor pediu para que a turma escolhesse entre duas exposições (que já
terminaram): uma era do Giacometti e a outra, uma releitura do livro Divina
Comédia por Salvador Dali. Por sorte, eu já tinha ido às duas exposições, então
só precisei escolher uma delas. Escolhi a do Salvador Dali porque achei que
fosse ser a mais fácil e, também, a mais interessante. O enunciado era "Como
questões de linguagem, símbolo e comunicação podem ser pensadas na releitura de
Dante feita por Salvador Dali?".
Então, aí está. Enjoy (ou não). A obra de Salvador Dali tenta transpor o texto de Dante para outro tipo de manifestação artística. De um poema medieval, nasce uma exposição cheia de ilustrações baseadas no livro A Divina Comédia. A adaptação de uma obra geralmente tende a deixar furos em relação à original, mas no caso da exposição de Dali, essa foi apenas uma interpretação, como poderia haver tantas outras, que serve mais como um complemento à obra de Dante do que como uma adaptação.
Inferno,
purgatório e paraíso. Esses são os cenários descritos no poema de Dante. Na
exposição, vemos os mesmos cenários e versos ilustrados, só que desta vez
vistos na mente louca do pintor Dali e em seu ponto de vista, assim até os que
nunca leram o livro poderão ter uma ideia do que se trata. Porém, esta é apenas
a interpretação de Salvador Dali e não uma interpretação definitiva. Ao ver a
exposição, observamos a visão de uma pessoa diante da obra. Apesar de ser uma
excelente obra de um grande artista, os quadros de Dali nos dão apenas uma vaga
noção do que a obra de Alighieri realmente é. Seus quadros ilustram os versos
do poema da forma surrealista que marca o estilo do pintor.
Ninguém nunca saberá como Dante Alighieri
via seu próprio livro em sua cabeça. Seus versos certamente jamais poderão ser
devidamente ilustrados, pois perderiam a essência do autor e a profundidade
envolvida neles. Sentimentos como o temor, causados pelo livro, estão na mente
de quem lê. Transformar o livro em figuras apenas muda a maneira de se
transmitir estes sentimentos.
As pinturas de Dali retratam o universo de
Dante exatamente como ele o descreve. Desse modo, quem leu o livro vai se
lembrar perfeitamente das sensações causadas pela leitura, e quem nunca leu,
poderá vivenciar a experiência de outra forma. Porém, a representação pelas
ilustrações é diferente da coisa em si. Lendo o livro, vivemos uma viagem do inferno
ao paraíso como algo real. Ler os versos é como entrar em contato diretamente
com a ideia da obra em si, ainda que as letras apenas representem isso. Já na
exposição de Dali, as ilustrações nos remetem à obra, mas não de maneira
imersiva como no livro. Não entramos na história. E essa é a diferença entre um
livro e uma pintura. São formas de arte completamente diferentes, que falam com
o leitor/observador de formas diferentes. Mesmo quando se trata da mesma ideia,
como nessa exposição (ao lado dos quadros podemos ver os versos aos quais as
ilustrações se referem), textos e gravuras não nos causam os mesmos efeitos. A
sensação transmitida pela interpretação de Dali pode ser completamente oposta à
de outra pessoa que tenha lido o livro.
A interpretação que uma pessoa pode ter em
relação à obra de Dali pode ser totalmente diferente da de outras pessoas, isso
porque a interpretação do pintor é apenas uma entre muitas outras. Alguém que
nunca tentou ler a Divina Comédia poderá ficar com os quadros de Dali como uma
referência máxima e sua mente sempre recorrerá a estas ilustrações quando esta
pessoa se lembrar dos livros.
A Divina Comédia é um épico dividido em
três partes que foi criado por Dante com propósitos filosóficos. No livro, o
autor coloca a si mesmo como o protagonista em uma jornada para reencontrar sua
amada Beatriz ao lado de Virgílio, um poeta de épocas passadas que aqui faz o
papel de guia. Para isso, ele precisa passar pelo inferno, pelo purgatório e
pelo paraíso, necessariamente nesta ordem. Cada um dos três livros é voltado a
um destes lugares. Só com isso, já se pode perceber a simbologia utilizada por
Dante Alighieri em sua obra prima. Tudo nos livros gira em torno do numero
três: são três livros simbolizando três mundos e protagonizados por três
personagens. A presença desse número simboliza a Santíssima Trindade e várias culturas
e religiões que consideram o número três como algo místico. Além disso, os
personagens principais também tem seus simbolismos. Dante simboliza o homem;
Beatriz a fé; e Virgílio a razão. O livro chamava-se inicialmente “Comédia”,
pois terminava no paraíso, dando a ele um final feliz, em contraposição à tragédia,
que possui um final trágico e triste.
De acordo com o primeiro livro, o inferno é
composto por nove círculos, um pior do que o outro. Em cada círculo, um tipo de
pecador diferente é punido. Os pecados e as punições vão ficando mais severos
conforme os círculos vão descendo. Dante quase é impedido de adentrar o inferno
por ainda estar vivo, mas consegue passar pelos portões com a ajuda de
Virgílio. Neste primeiro livro, Dante é atacado por vários demônios e tem um encontro
com muitas celebridades de séculos passados, como Homero, Ovídio e Francesca de
Rimini.
No
segundo livro, os dois chegam ao purgatório, o mundo intermediário entre o
inferno e o paraíso. Aqui, as pessoas não estão permitidas a ir para o inferno,
pois admitiram e se arrependeram de seus pecados em vida, mas também não podem
ir ao paraíso, pois ainda não foram livrados dos pecados. Assim como o inferno,
o purgatório também é feito de círculos, sendo estes círculos representantes
dos sete pecados capitais. Ao chegarem ao final do purgatório, Dante e Virgílio
se despedem, pois Virgílio não pode adentrar o reino dos céus. Também é nessa
parte que Dante encontra sua amada Beatriz e se livra de seus próprios pecados.
O último livro da Divina Comédia fala sobre
o paraíso. O paraíso é composto por dez céus, sete céus móveis e três fixos. No
último céu, há a aparição de Deus, que é representado por uma rosa branca
rodeada por espíritos bondosos. No centro da rosa há um triângulo, que é a
Santíssima Trindade.
Toda a obra que constitui a Divina Comédia
pode ser encarada como uma alegoria. Nela, Dante viaja pelo mundo dos mortos,
conhece várias celebridades, encontra sua amada, purifica a própria alma, se
livra de seus pecados e, finalmente, tem um encontro com Deus. Toda a
simbologia e o significado dos círculos, vistos no inferno e purgatório,
representam os pecados e punições pelos quais algumas pessoas tem de passar, o
que é mostrado em qualquer religião.
O que Dali fez foi passar toda a obra de
Dante para o mundo visual, mesmo não tendo sido o primeiro a fazê-lo. O pintor
costumava usar muito simbolismo em suas obras, o que provavelmente o
influenciou a ilustrar a obra de Dante. Sendo um artista do surrealismo, Dali
não deixou de imprimir sua natureza onírica nos quadros inspirados no poema.
Então, mesmo fazendo uma adaptação da Divina Comédia, o pintor deixou a sua
marca nas ilustrações, sem mudar o seu significado. Sua adaptação é uma fusão
das obras e estilos de dois grandes artistas. A visão de um artista por outro. Se
a forma como a história é contada muda de uma obra para a outra, Dali fez
questão de que o significado e a essência permanecessem os mesmos.
Por causa disso, pode-se afirmar que a
Divina Comédia, por Salvador Dali, não é a mesma Divina Comédia escrita por
Dante, do mesmo jeito que um mesmo livro pode não ser o mesmo para todos
aqueles que o leem. Mas o significado e a simbologia da obra original, bem como
as sensações e mensagens que ela transmite, estão todos lá. Logo, o que difere
as duas coisas não são as diferenças que elas possuem entre si, mas sim as diferentes
pessoas que passarão pela experiência de observar os mesmos símbolos de uma
mesma história de acordo com diferentes artistas.
Referências: nosso amigo de sempre, o Wikipédia.
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