sábado, 5 de novembro de 2011

Battle Royale


    Dias atrás comecei a reler um mangá que considerava ser um dos melhores de todos e que possui uma certa fama (e um pouco de polêmica) entre os leitores assíduos de quadrinhos japoneses. Lançado lá pelo ano 2000, Battle Royale foi baseado em um livro, de Koushun Takami, que gerou muitas controvérsias no Japão, mas alcançou um sucesso enorme. O livro também inspirou um filme homônimo, realizado por Kinji Fukasaku, que saiu apenas em DVD aqui no Brasil na mesma época em que o mangá. O livro foi traduzido apenas para o inglês e para o alemão. Já o mangá, publicado pela Conrad, não chegou a ser finalizado, completando apenas 12 de todos os seus 15 volumes, mas atualmente está sofrendo um processo de republicação para trazer seus últimos três volumes às bancas de jornal. Apesar de as três versões – mangá, filme e livro – possuírem as suas diferenças, a história básica é a mesma.
    Uma turma do ensino médio com alunos dos quinze aos dezesseis anos é seqüestrada pelo governo e colocada em uma ilha onde todos serão obrigados a participarem de um jogo cruel e perverso: matarem uns aos outros até que só reste um de pé. As regras são claras. Cada participante possui um colar explosivo que detecta seus sinais vitais e a sua localização pela ilha, que está dividida em quadrantes, como em um jogo de batalha naval. Se ninguém morrer em 24 horas, todos os colares detonam e ninguém ganha. Se ao final de três dias sobrar mais de um participante, os colares explodem. Se um participante se aventurar por um quadrante que esteja em zona de perigo, seu colar explode. Essas zonas de perigo vão aumentando em número para fazer os alunos se locomoverem pela ilha e tornar o jogo mais emocionante. Ou seja, não há escapatória. É matar ou morrer.


    É claro, para não manter as coisas injustas, os participantes terão de ter todos as mesmas chances de sobreviver. Por isso, cada aluno recebe uma mochila com água, ração pra três dias, uma bússola, uma lanterna, um mapa da ilha dividido em quadrantes e, o mais importante, uma arma. Cada um receberá uma arma de acordo com a sua personalidade, para que o participante possa fazer um melhor uso dela. Não faria nenhum sentido dar uma metralhadora a alguém que não entende nada de armas ou uma faca a alguém que se daria muito melhor com uma arma de fogo em mãos. Mas isso não é necessariamente algo bom. Você pode receber desde coisas ótimas, como granadas ou metralhadoras, até coisas horríveis, como um garfo ou um bumerangue. Há também alguns itens que não se classificariam como armas, mas que poderiam ser muito úteis em um jogo como esse, como um colete a prova de balas, um radar que detecta os colares dos outros ou até veneno.
    Mas qual a história por trás disso tudo? 

A ilha onde se passa o jogo doentio

    Battle Royale se passa em um futuro próximo, em um contexto desesperador onde o Japão, agora um país extremamente autoritário, estaria passando por diversas dificuldades com as altas taxas de desemprego e a rebeldia dos jovens. Para acabar com parte do problema, o governo faz uma votação para determinar se a população aprovaria uma medida radical de conter os adolescentes, já que os adultos passaram a temê-los cada vez mais. A maioria vota a favor e com isso entra em ação o Ato BR, onde uma turma aleatória na faixa dos 15, 16 anos seria sorteada para participar de um jogo sangrento que seria transmitido na TV em um programa sensacionalista chamado de “O Programa”.
    Dentro deste contexto estão os dois jovens Shuuya Nanahara e Yoshitoki Kuninobu. Amigos de infância que cresceram em um orfanato, os dois são como carne e unha, mesmo possuindo personalidades bem diferentes. Shuuya é apaixonado pelo rock and roll e possui uma personalidade extrovertida e divertida. Além disso, é um maníaco por justiça, agindo sempre como se os problemas dos outros fossem seus problemas também. Já Yoshitoki não é do tipo que se destaca, mas se mantém sempre muito fiel ao seu melhor amigo.
    Os dois acabam, porventura, caindo na armadilha d’O Programa achando que era apenas uma simples excursão escolar. Quando acordam, estão em uma sala de aula em uma escola no meio da ilha junto com todos os outros quarenta alunos de sua turma. É aí que surge o nojento, repugnante e asqueroso Yonemi Kamon, o homem mais cruel e detestável que você pode imaginar. Kamon será o mediador do jogo e explica aos alunos como é que a coisa funciona. Por meio de alto-falantes, ele anunciará, algumas vezes ao dia, quais zonas se tornaram zonas de perigo e quais os alunos que já morreram. Apesar de estar apenas cumprindo a ordem de seus superiores, é possível ver claramente que Yonemi se diverte com a idéia de ver adolescentes matando uns aos outros.


    Mas pessoas diferentes agem de modos diferentes. Após serem soltos pela ilha, cada um procura por aquilo que mais deseja. Os medrosos se escondem, os corajosos iniciam a matança. Amigos traem amigos. Inimigos vão atrás de inimigos. Claro, há também aqueles que tentarão driblar O Programa e passar a perna nos palhaços do governo. E aqueles que apenas querem passar seus últimos momentos com a pessoa de que gosta. Mas o pior é que, dentre os 42 alunos soltos pela ilha, dois são perfeitos psicopatas e iniciarão uma matança sem igual.
    O objetivo principal de Shuuya é proteger Noriko Nakagawa, garota de quem seu melhor amigo, Yoshitoki, gosta e que tem uma queda por Shuuya. Logo no começo, ele salva Noriko e depois os dois são salvos por Shogo Kawada, um aluno transferido misterioso cujo passado ninguém conhece, mas que se mostra um aliado valoroso durante o jogo, possuindo técnicas de sobrevivência, habilidades culinárias e uma vasta experiência no manuseio de armas. Com isso, Shuuya planeja reunir todos os seus colegas para organizar uma rebelião em massa contra o governo e fazer todos escaparem com vida. Os dois primeiros que ele planeja encontrar são Shinji Mimura e Hiroki Sugimura, dois dos seus grandes amigos e, assim como ele e Kawada, alguns dos mais capacitados a vencer o programa. Mimura era o cara dos esportes na escola e sempre ficava com todas as garotas. Além disso, possuía uma inteligência acima da média. Já Sugimura é perito em artes marciais, mas é extremamente tímido e reservado, não sendo capaz de machucar uma mosca.
    Junto com Shogo e Noriko, Shuuya pretende reencontrar todos os seus amigos e escapar com vida do jogo. Mas ele não sabe que muitos de seus velhos colegas já entraram de cabeça no Programa e estão matando por aí como se não houvesse amanhã (e com certeza, para muitos deles, não haverá).
    Para terminar essa salada, temos Kazuo Kiriyama, um jovem frio e sem sentimentos que mata sem culpa nem arrependimento, e Mitsuko Souma, a garota mais bonita da escola, que usará sua aparência física para atrair suas vítimas e matá-las por trás, completando, assim, o círculo de personagens que protagonizam a história.


    Falando em história, esta nos é contada na forma de flashbacks que aparecem o tempo todo. Apesar de serem bem longos e complexos (perdendo apenas para a complexidade do flashback gigantesco em Berserk) eles nunca atrapalham a história ou chegam a ficar chatos, ao contrário, apenas fazem com que a construção do enredo fique ainda mais interessante. É por meio destes flashbacks que podemos observar que mesmo estudando todos na mesma escola, cada aluno fazia parte de um universo muito particular. Cada um deles possuía seus próprios problemas e suas maneiras de lidar com eles, seus próprios valores, sua própria forma de pensar e ver o mundo, seus objetivos na vida, a pessoa por quem eram apaixonados, e etc.
    Mas eles nunca são mostrados estudando para provas, fazendo o dever de casa ou essas coisas chatas. Os flashbacks apenas apresentam suas interações com seus familiares ou entre eles mesmos, mostrando que, apesar de haver alguns grupinhos que agem separadamente do resto, aquela era uma turma muito unida, o que aumenta o impacto de vê-los sendo obrigados a matarem uns aos outros.
    Por causa da pressão causada pelo Programa, muitos deles não conseguem manter a sanidade e cedem aos instintos mais selvagens para sobreviver. Dentro daquela ilha, é a lei da selva que fala mais alto. Por isso, é muito difícil determinar quem faz o que faz por maldade e quem faz por medo.

    Apesar de muito violento e chocante, Battle Royale possui seu mérito por causa de um excelente enredo e a profundidade de personagens tão cativantes. Alguns deles são tão carismáticos e amigáveis que você vai desejar que eles existam na vida real para fazer parte da turma. Já outros são tão detestáveis e repulsivos que você agradecerá por esta ser apenas uma história fictícia, mas sem se esquecer de que pessoas assim também existem no nosso mundo.


Personagens
    São 42 alunos, logo o número de personagens (com exceção daqueles que só aparecem nos flashbacks) é limitado. E eles ainda vão morrendo aos montes. A sua importância é tamanha que eu precisei listar aqui apenas os principais para entrar um pouco mais a fundo nas características de cada um deles.

Shuuya Nanahara
    É o protagonista do mangá. Viciado pelo rock, gênero musical estritamente proibido no país, Shuuya é bem popular entre seus colegas e extremamente amigável. Porém, seu senso de justiça supera muito o de auto-preservação, o que pode ser uma tremenda desvantagem, pois o faz muito ingênuo. A grande maioria das meninas do colégio parece ter uma queda por ele, especialmente Noriko. Shuuya parece não aceitar o fato de ter de matar seus próprios colegas de turma e sua principal meta é a de reunir todos para que consigam escapar com vida, de algum jeito. A arma designada a ele é uma faca militar.

Yoshitoki Kuninobu
    Velho amigo de infância de Shuuya, cresceu em um orfanato junto com ele. Embora não seja popular, extrovertido, guitarrista ou tenha qualquer outra qualidade de Shuuya, Yoshitoki não o inveja em nada, mantendo-se sempre fiel ao seu melhor amigo. A garota de quem gosta é Noriko Nakagawa, mas esta é apaixonada por Shuuya. Kuninobu é simplesmente incapaz de ferir qualquer um de seus amigos e vai defendê-los de qualquer um que tente fazer isso. Por isso, arranja problemas com Yonemi Kamon logo no início.

Noriko Nakagawa
    É a primeira pessoa que Shuuya encontra após o início do jogo e é salva por ele. Após isso, os dois passam a andar juntos, o que é uma sorte para a garota, pois ela é apaixonada por Shuuya. É a garota de quem Yoshitoki gosta e, por isso, Shuuya promete protegê-la a todo custo. Noriko é bem fraca e ingênua, não possuindo quaisquer condições de vencer o jogo sozinha. Sua arma designada é um bumerangue.

Shogo Kawada
    É o aluno transferido na escola e está sempre fumando um cigarro. Ele tem cara de poucos amigos e um braço que chega a ser mais grosso do que a própria perna. Sempre foi uma figura muito misteriosa para os outros alunos e seu passado, que guarda muitos segredos, é desconhecido por todos. Logo no início ele salva Shuuya e Noriko de serem mortos e os três passam a andar juntos. Desde então, Shogo passa a fazer o papel do bom senso de Shuuya, já que este é um maníaco por justiça capaz de sacrificar a própria alma em prol dos amigos. Apesar de não parecer muito amigável, Kawada mostra-se muito caloroso com os novos aliados e até mesmo bem espirituoso. Suas técnicas de sobrevivência e de culinária serão bastante úteis durante toda a trama. Segundo ele, há algum meio de sair da ilha sem precisar matar ninguém, porém, ele nunca revela qual é. Logo, matar não está nos seus planos, mas ele o fará sem hesitar se for preciso. A arma designada a ele é uma espingarda.

Shinji Mimura
    Shinji é bom em praticamente qualquer esporte, mas o seu preferido era o basquete. Possui tanta popularidade com os esportes quanto com as mulheres. Mas não é nem um pouco idiota. Mimura é um dos alunos mais inteligentes da classe. E sua inteligência vai muito além de apenas saber tirar uma boa nota na escola. Ele é um hacker e aprendeu grande parte das lições da vida com seu tio, que também era hacker e foi praticamente um sábio para ele. Logo no início do jogo, Shinji tenta hackear os colares usando seu laptop para entrar no sistema da escola na ilha onde se passa o jogo e que Yonemi e seus soldados estavam usando como quartel general. Mas o plano falha e, junto com outro aluno chamado Yutaka, Mimura arma um esquema para construir uma bomba apenas com materiais encontrados pela ilha (e com um presentinho dado por seu tio que serviria de ignição) e usá-la para explodir a escola em um plano emocionante. Um verdadeiro gênio. Além disso tudo, é um dos melhores amigos de Shuuya e um dos primeiros a serem procurados por ele.

Hiroki Sugimura
    Perito em artes marciais, Sugimura é outro aluno que faz parte do circulo de amigos de Shuuya. Apesar do tamanho, seu coração é maior do que seus músculos e ele é extremamente tímido, chegando a ser introvertido. Aprendeu a usar suas técnicas de luta apenas para se defender, nunca para agredir, o que pode se tornar um problema na hora de enfrentar caras maiores do que ele quando estiver participando do Programa. Ele possui dois objetivos. Um é encontrar sua amiga de infância, Takako Chigusa, com quem mantinha uma amizade íntima. Outro, é achar a garota por quem é apaixonado, Kayoko Kotohiki, antes que psicopatas como Kiriyama a encontrem primeiro. Sua arma designada é um radar que rastreia as coleiras explosivas, o que facilitará seu trabalho.

Kazuo Kiriyama
    Frio, calculista, inexpressivo, Kiriyama é o aluno mais temido da classe justamente por não demonstrar emoção alguma. Sem sentir nenhum tipo de sentimento parecido com remorso ou culpa, Kazuo é um verdadeiro psicopata. Além disso, é um menino prodígio. Consegue se sair perfeitamente bem em qualquer tipo de atividade sem demonstrar dificuldade ou hesitação. Seja em notas no boletim ou atividades artísticas, como pintura ou música, Kiriyama sempre consegue superar a todos em tudo. Pra terminar, é herdeiro de uma família milionária. É, também, líder de uma gangue de valentões que o seguem apenas por respeito. Mas nenhum deles, nem mesmo o mais íntimo, jamais o vira sorrir, chorar, ficar com raiva ou medo. Kiriyama se mostra indiferente a tudo à sua volta, sendo praticamente um autista. E é por causa disso que ele provavelmente é o mais capacitado a vencer o programa (e também porque possui um grande conhecimento sobre armas e artes marciais, além de um físico perfeito). Bem como Shogo Kawada, seu passado é um absoluto mistério. Sua arma designada é uma submetralhadora, mas vai rapidamente ampliando seu arsenal conforme mata os outros participantes.

Mitsuko Souma
    Mais conhecida como Mitsuko “Hardcore” Souma, é a gostosona da classe. Todos os garotos babam por ela e ela sabe tirar proveito disso. Obviamente irá usar qualquer tipo de apelo sexual ao seu favor para vencer O Programa. Possui uma gangue de garotas malvadas com quem sempre anda, mas assim que o jogo começa descarta as duas na hora. Seu passado, sombrio e obscuro, é algo que poucos conhecem. Foi abusada sexualmente pelo padrasto quando era criança e tornou-se um adolescente doentio e a garota mais capacitada a ganhar o jogo sangrento. Ela é outro psicopata além de Kazuo, mas ao contrário de Kiriyama, Mitsuko mata por prazer. E como é cada um por si, os dois terão de se enfrentar em algum momento. A arma que recebeu foi uma foice, apesar de, assim como Kiriyama, ir aumentando seu arsenal conforme mata suas vítimas.



Yonemi Kamon
    O mediador do jogo e um verdadeiro monstro. Não possui muitas características que o definam como alguém humano. A única coisa com que está preocupado é com a audiência do Programa e com o dinheiro que vai ganhar com isso, realizando diversas apostas com outras pessoas para ver qual dos alunos participantes irá sobrar de pé. Apesar de parecer bem rabugento, Kamon faz uma primeira aparição muito sarcástica com os alunos e se diverte enquanto os provoca e os tortura psicologicamente. É um maníaco que gosta de ver adolescentes sofrerem e o tipo de gente que não faria a menor falta no mundo.



Conclusão

Apesar de ser um excelente mangá, que ganhou o respeito e a admiração da crítica e do público, Battle Royale não possui uma versão animada, infelizmente. E como se trata de um mangá antigo, acho que nunca terá, o que é uma pena, pois se trata de uma das melhores histórias já criadas e precisa ser mais reconhecida. A versão cinematográfica é bem fraquinha e conta a mesma história, com os mesmos personagens, mas de um jeito diferente. E ainda ganhou uma continuação que eu não assisti: Battle Royale II: Réquiem, com uma história alternativa que não tem nada a ver com o livro. O mangá também teve sua continuação, denominada Battle Royale II: Blitz Royale, que eu desconsidero por ser de outro autor, mas também ainda não li.
    Eu poderia escrever muito mais sobre este mangá, explorar melhor outros personagens e falar mais dos acontecimentos e eventos surpreendentes que envolvem a trama, mas tive de me conter por causa dos spoilers absurdos que não me dão essa liberdade. Battle Royale é muito mais do que simplesmente excelente e se não está entre os melhores quadrinhos japoneses já feitos então eu não sei qual é a definição de mangá decente. Não espere mais para ler, vá até a banca mais próxima ou baixe se for preciso, mas faça um favor a si mesmo e leia esta obra prima. Seja lá qual for o tipo de pessoa que você é, não tem como se arrepender.

Créditos das imagens: Central de Mangás.

2 comentários:

  1. Leo, seu texto está cada dia melhor!! Parabéns!!!
    bj Solange

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  2. Eu sei que isso é coisa da época, mas a Conrad concluiu sim Battle Royale. Depois de anos, mas concluiu...
    Enfim, ótima matéria!

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